Carol Almeida Terapias

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Racismo, afeto e silêncio: como os vínculos familiares carregam as marcas do mito da democracia racial

Mito da Democracia Racial. Na segunda metade do século XIX, enquanto o Brasil buscava se redefinir após a abolição da escravidão, a Teoria Eugenista passou a orientar políticas e imaginários. A ideia de que haveria uma “raça superior” — branca, europeia, mais civilizada — sustentou a formulação da teoria do branqueamento, segundo a qual o progresso do país dependeria do enfraquecimento da presença negra na população. Incentivou-se, então, a imigração europeia, com a expectativa de que, em algumas gerações, o Brasil se tornaria um país majoritariamente branco — e, portanto, mais “desenvolvido”.

A pintura A Redenção de Cam, de Modesto Brocos, tornou-se símbolo desse ideal. A cena representada — uma avó negra, uma mãe mestiça, um neto branco — ilustra a ideologia de embranquecimento como projeto de nação.

Primeiras décadas do século XX

Nas primeiras décadas do século XX, esse imaginário deu origem a um discurso que se consolidou com força: o de que o Brasil seria uma democracia racial. Na obra Casa-Grande & Senzala, Gilberto Freyre descreveu as relações entre senhores e escravizados como harmônicas, defendendo que a miscigenação havia criado um povo cordial, unido, sem antagonismos raciais profundos. No entanto, o que esse discurso ignorava — ou deliberadamente omitia — era a violência sistemática, o apagamento cultural, o abuso sexual, a exploração econômica e a resistência que marcaram nossa formação social.

Na segunda metade do século XX, autores como Florestan Fernandes questionaram essa narrativa, demonstrando que se tratava de um mito: uma imagem idealizada que, ao ser repetida, impedia o reconhecimento das desigualdades reais, da exclusão histórica e da marginalização de povos negros e indígenas.

Mas o impacto desse mito não se limita ao campo das ideias. Ele continua presente nas estruturas sociais e, principalmente, nas formas de afeto que se constroem dentro das famílias brasileiras.

Nesse sentido, na Psicogenealogia, compreendemos que traumas históricos não se encerram no passado: eles se internalizam, se repetem, se expressam em sintomas, silêncios e vínculos. O que não foi elaborado se torna padrão. O que não foi dito, se transforma em crença.

Lélia Gonzalez – neurose cultural brasileira

A filósofa e psicanalista Lélia Gonzalez nomeia os efeitos psíquicos dessa idealização racial como neurose cultural brasileira — uma estrutura coletiva que naturaliza o racismo, silencia a violência, e transforma desigualdade em normalidade. Logo, essa neurose atravessa gerações, influenciando profundamente a constituição da identidade e dos laços familiares.

É nesse ponto que proponho, no trabalho com a Psicogenealogia, reconhecer a escravidão como um trauma transgeracional e investigar os efeitos do mito da democracia racial dentro das dinâmicas familiares. Esse olhar está desenvolvido em profundidade no meu artigo Família de todas as cores: desvendando os impactos do mito da democracia racial nas dinâmicas familiares no Brasil, publicado no livro Psicogenealogia: temas e reflexões (2025).

Psicogenealogia os conceitos de neurose cultural brasileira,

Nesse artigo ,proponho  incorporar  na Psicogenealogia os conceitos de neurose cultural brasileira, desenvolvido por Lélia Gonzalez e o pacto narcísico da branquitude, desenvolvido por Maria Aparecida Bento — que nos ajudam a compreender como os privilégios se perpetuam e como o pertencimento é regulado por lógicas de exclusão racial.

Essas lógicas aparecem disfarçadas de cuidado, de conselho, de elogio. Frases como:

– “Ela tem traços finos.”
 – “É negra, mas é bonita.”
 – “Cabelo liso é mais apresentável.”

…revelam crenças internalizadas que associam valor, beleza e dignidade a uma estética branca. São pactos inconscientes que estabelecem quais corpos merecem afeto pleno e quais devem se moldar para caber. Transmitidas como verdades naturais, essas ideias se instalam no cotidiano, estruturando as expectativas, os afetos e até as possibilidades de pertencimento.

Como escreveu Bell Hooks:
 “Embora quisesse conhecer o amor, tinha medo de ter intimidade de fato”.
Essa frase nos recorda que herdamos o modo como aprendemos a amar. Em muitas famílias negras e miscigenadas, aprendemos o afeto em contextos de escassez emocional, sobrecarga e dureza — especialmente quando a sociedade negava ou condicionava o reconhecimento da identidade.

Reconhecer esses legados não significa reviver a dor como destino, mas compreendê-la como passagem. Como escreveu Lélia Gonzalez:
 “A gente não nasce negro, a gente se torna negro. É uma conquista dura, cruel e que se desenvolve pela vida da gente afora.”

Mito da Democracia Racial e Psicogenealogia,

Sob essa perspectiva na Psicogenealogia, colocamos a questão racial no centro da escuta para dar lugar à memória negada. Acolhemos os afetos distorcidos, os silêncios herdados e as crenças transmitidas sem consciência de sua origem. Permitimos que a identidade se reconecte com a verdade e que os vínculos se reorganizem — não mais sustentados por pactos de apagamento, mas por escolhas conscientes, enraizadas na dignidade e na liberdade de ser. É nesse gesto — delicado, persistente, amoroso — que começa o trabalho de transformação.

Nós trabalhamos cuidadosamente esses e muitos outros temas em nosso atendimento terapêutico. Clique aqui e descubra como podemos acompanhar você nessa jornada.

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